segunda-feira, 23 de março de 2009

Carnaval - ponto de vista filosófico-humorístico-decadente

Prometi a mim mesmo que escreveria um pequeno conteúdo sobre o Carnaval deste anos, à semelhança do que fiz no ano transacto.
Tudo na vida deve ser encetado num momento próprio. Como estou há três anos na Escola Secundária Madeira Torres, o primeiro ano foi de visualização, apuramento dos sentidos, primeiras impressões, no sentido humeano do termo. Impressões simples ou simples impressões, não sei, o que sei é que enveredei por uma postura de distanciamento e, simultaneamente, coloquei o véu de ignorância. desloquei-me pela escola, sujeitei-me à audição de comentários comuns, visualizei, com um exigível distanciamento, as meias de licra das (dos?) matrafonas - convenhamos que, para um gajo do norte, não é pêra doce - escutei com atenção os rituais, as palavras, os ritmos que as coisas iam tomando.
No segundo ano já estive num patamar diferente. Fotógrafo (mau), tomei contacto com os suores dos foliões e ganhei coragem para colocar uma peruca. Nunca havia usado uma peruca... Quando a coloquei ocorreu-me de imediato a ideia de que havia perdido a minha masculinidade... Era loira. Comprei a uma senhora que tinha montado a banca na escola. Quando a vi, o nervosismo apoderou-se de mim. Aproximei-me e disse: «que...quer...quero....co...comprar a peruca. A senhora, experiente nestas andanças, esboçou um sorriso de benevolência. Não levei a mal. De facto parecia um jovem que está próximo de conhecer o bom da vida, ontologicamente falando.
Este ano... fica para o próximo post.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Num departamento escolar deve imperar a partilha, a formação, a crítica e o ponto de vista do profissional (já alguém dizia que um ponto de vista é sempre uma vista através de um ponto). No que respeita à disciplina de Filosofia, mais essa vertente se torna exigível. A Filosofia é um dos palcos onde se verificam mais acesos debates sobre conteúdos programáticos. Era ainda estudante quando assisti a um debate (imagine-se)televisivo - creio que nos finais dos anos oitenta - sobre os novos programas de Filosofia. Lá se encontravam, entre outros, Manuel Maria Carrilho e, creio, Alexandre Fradique Morujão. Foi um debate aceso com duas tendências «beligerantes»: a tendência anglo-saxónica e continental. Não escondo que Carrilho teve um discurso eloquente e persuasivo. Também não oculto que sentimentalmente a vertente continental clamava por mim. Este debate nunca chegou a ser resolvido. Ainda hoje há «úlceras estomacais» por resolver. Contudo, há uma vertente, parece-me que liderada pelos colegas da Arte de Pensar - desculpem se estou a ocultar alguém - que tem tido uma postura razoável, no sentido científico da palavra, isto é, mantêm uma clara orientação, são coerentes naquilo que produzem, há um fio condutor na estrutura do que propõem. O problema é que, do outro lado da barricada, mora uma clara desorientação, uma indefinição. Os próprios manuais, na ânsia de agradar à «esquerda» e à «direita», englobam tudo numa «salada de fruta» onde não se consegue discernir o tronco, o caminho. Vem isto a propósito da definição do conhecimento como «crença verdadeira justificada» e do percurso sugerido pela «crítica na rede». O desenlace desta temática entronca na noção de coerentismo. Tomei a liberdade, no que ao meu departamento diz respeito, de leccionar esta temática. A dimensão holística presente, concordando com a tendência de enquadrar no todo as partes e o próprio todo ter uma dimensão maior do que essas partes, é estética e, se calhar verosímil. Curiosamente, os alunos gostaram. Precisamente por que é estético, o coerentismo suscita um conjunto de recursos e de exemplos atractivos: desde palavras cruzadas (para haver a consciência da interdependência), passando por quadros conceptuais de situações quotidianas. Porém, sentia que faltava algo. Sentia que a exigência proveniente da presença da Filosofia do Ensino Secundário pedia mais. Uma intuição cartesiana sugeriu-me os «jogos de linguagem» das Investigações Filosóficas de Wittegenstein. Será possível fazer esta ponte? É legítimo fazer este percurso sem que me seja lançado um anátema pela consciência do rigor filosófico? Lancei o seguinte exemplo retirado de algures (peço desculpa aos autores):
Um professor de cardiologia defende que a aspirina ajuda a prevenir enfartes.
Um seu aluno mais atento pergunta: «porquê?»
O professor responde: «porque diminui a formação de ateromas nas paredes vasculares».
E o aluno torna a perguntar: «porquê?»
O professor responde: «porque como anti-inflamatório ela diminui as inflamações das paredes vasculares.»
Assim, tanto o professor como aluno ficaram satisfeitos com a resposta. Esta «condição de satisfação» é apoiada pelo coenrentismo - as várias proposições são justificadas pela consistência de outras crenças, construindo-se uma rede - e pela noção de jogos de linguagem - pela presença de signos linguísticos comuns a uma determinada família de falantes. Um aluno, surpreendentemente mais atento a estas lides, perguntou-me - «qual o interesse então da filosofia». Engoli em seco, ao mesmo tempo que respondia: - estar atento à linguagem, procurando o rigor, desmontando discursos, solucionando problemas... O aluno retorquiu, dizendo: «solucionando problemas?». respondi dizendo que os problemas do ser humano são...linguísticos.

PS: o diálogo, infelizmente, é pura ficção.

terça-feira, 17 de março de 2009

O Mestre

Steiner ensinou-me uma coisa: não há ensino sem mestre. Não há aprendizagem sem o corpo. Não há ensino-aprendizagem sem dialéctica do domínio. Hodienarmente a figura do mestre desvanece-se. Ele é substituído pelo estrelato de figuras em si mesmas inexistentes. Paradoxalmente, este vazio clama pela referência, pela mão que nos guia, pelo poder da razão e pela razão do poder. Continuo a afirmar, apesar da pouca experiência de vida e de ensino, que a palavra, o olhar, o gesto, a atitude são os melhores recursos didácticos. Podem surgir TIC'S, Power Point, efeitos especiais numa sala de aula que em nada substitui um olhar. O problema actualmente está, creio eu, no pseudo-nivelamento. O mestre e o discípulo encontram-se face a face numa aparente planície. O problema está aí: quando nos deparamos com um horizonte vasto ficamos sem rumo, perdemo-nos na sobranceria da leviandade. É importante que haja montanha para alguém, bem lá no cimo, nos indicar o melhor percurso. É tudo uma questão de reconhecimento do poder do conhecimento. Eu tive o meu mestre, não o ultrapassei, como seria de esperar, porque...o perdi!

quarta-feira, 11 de março de 2009

Em relação ao último post, nomeadamente à última interrogação, há várias saídas: mais académicas e mais estéticas. Prefiro as segundas às primeiras. Porquê?
Quando os alunos me abordam, nas suas ingénuas interrogações dos dezasseis ( o que nem por isso é negativo, estão mais leves...), sobre a pertinência do estudo de Descartes em particular ou de outro filósofo em geral, respondo que também estudam Newton embora, num contexto puramente pragmático, tenha uma relevância residual. E estudam por que a noção de progresso não se compadece com a ausência de história. Procurar os motivos, as razões, as causas, os antecedentes são condições para melhor entender o presente. A vida sem memória não existe; o futuro sem passado é vazio e sem sentido; ou, talvez melhor, o passado ganha sentido com o futuro. Aqui se inscreve a linguagem. O recurso linguístico de um saber exige uma permanente busca da fonte. Muito mais na filosofia! Heidegger dizia que a linguagem é a casa do ser, é o desvelamento da verdade e fora desta linguagem, parafraseando Wittegenstein, nada existe. Assim, o enriquecimento da linguagem é condição da compreensão do mundo; a compreensão do berço da palavra e a causa do entendimento da realidade.
Contudo... na filosofia há mais do que um tempo, há uma intemporalidade. No jogo conceptual há um ritmo esquemático, há uma beleza intrínseca ao texto argumentativo que o ultrapassa. Talvez seja por isso que os alunos, surpreendentemente, gostam de estudar Kant. Não por aquilo que diz, mas por aquilo que não diz. E mais não digo!

terça-feira, 3 de março de 2009

Estava a leccionar Descartes. É sempre gratificante conviver com um filósofo. Penetramos nos seus pensamentos, as sinapses cognitivas desenrolam-se de uma forma aprazível, sentimo-nos rejuvenescidos, quase que atingimos uma espécie de clímax que nos faz transportar para latitudes intelectuais onde... só estamos nós e Descartes. Num ápice, dei-me conta de uma realidade imanente que, não só está aí, como nos acorda para a evidência. Uns visualizavam as recentes mensagens oriundas do éter, outros bocejavam mostrando em primeiro plano as suas armações da moda, sem esquecer aqueles, mais generosos, que transmitiam formas de pesar evidentes pelo espectáculo a que assistiam. Como sair desta?